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O BICHO MANJALÉU
Uma vez existia um velho casado, que tinha três filhas muito
bonitas; o velho era muito pobre e vivia de fazer gamelas
para vender. Quando foi um dia, chegou à sua porta um moço
muito formoso, montado num belo cavalo e lhe falou para
comprar uma de suas filhas.
O velho ficou muito magoado e disse que, por ser pobre,
não havia de vender sua filha. O moço disse-lhe que, se não lha
vendesse, o mataria; o velho intimidado vendeu-lhe a moça e
recebeu muito dinheiro.
Retirando-se o cavaleiro, o pai da família não quis mais
trabalhar nas gamelas, por julgar que não o precisava mais
de então em diante; mas a mulher instou com ele para que
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não largasse o seu trabalho de costume, e ele obedeceu.
Quando foi na tarde seguinte, apresentou-se um outro
moço, ainda mais bonito, montado num cavalo ainda mais bem
aparelhado, e disse ao velho que queria comprar uma de suas filhas.
O pai ficou incomodado; contou-lhe o que tinha sucedido no dia
antecedente, e recusou-se ao negócio. O moço o ameaçou também
de morte, e o velho cedeu.
Se o primeiro deu muito dinheiro, este ainda deu mais
e foi-se embora.
O velho de novo não quis continuar a fazer as gamelas
e a mulher o aconselhou, até ele continuar. Pela tarde seguinte,
apareceu outro cavaleiro ainda mais bonito, e melhor
montado, e, pela mesma forma, carregou-lhe a filha mais
moça, deixando ainda mais dinheiro.
A família cá ficou muito rica; depois apareceu a velha
pejada e deu à luz a um filho, que foi criado com muito luxo
e mimo.
Quando chegou o tempo de o menino ir para a escola,
um dia brigou com um companheiro, e este lhe disse:
— Ah! Tu cuidas que teu pai foi sempre rico!… Ele
hoje está assim, porque vendeu tuas irmãs!…
O rapazinho ficou muito pensativo e não disse nada
em casa; mas quando foi moço, lá num dia se armou de um
alfanje e foi ao pai e à mãe e lhes disse que lhe contassem a
história de suas três irmãs, senão os matava. O pai lhe teve
mão, e contou o que se tinha passado antes de ele nascer. O
moço então pediu que queria sair pelo mundo para encontrar
suas irmãs, e partiu. Chegando em um caminho, viu numa
casa três irmãos brigando por causa de uma bota, uma
carapuça e uma chave. Ele chegou e perguntou o que era
aquilo, e para que prestavam aquelas coisas.
Os três irmãos responderam que àquela bota se dizia
“Bota, me bota em tal parte!” e a bota botava; à carapuça se
dizia: “Esconde-me, carapuça!” e ela escondia a pessoa que
ninguém a via; e a chave abria qualquer porta.
O moço ofereceu bastante dinheiro pelos objetos, os
irmãos aceitaram, e ele partiu. Quando se encobriu da casa,
disse: “Bota, me bota na casa de minha irmã primeira”.
Quando abriu os olhos, estava lá. A casa era um palácio
ornado e rico, e o moço mandou pedir licença para entrar e
falar com a irmã que estava feita rainha. Ela não queria aparecer,
porque dizia que nunca tinha tido irmão. Afinal, depois de muita
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instância, deixou o estrangeiro entrar; ele contou toda a sua
história, a irmã acreditou e o tratou muito bem.
Perguntou-lhe como poderia ter chegado ali àquelas
brenhas, e o irmão disse-lhe ter o poder da bota. Pela tarde, a
rainha se pôs a chorar e o irmão lhe indagou a razão, ao que ela
respondeu que seu marido era o rei dos peixes e, quando vinha
jantar, era muito zangado, em termos de acabar com tudo, e não
queria que ninguém fosse ter ao seu palácio…
O moço disse-lhe que por isso não se incomodasse,
que tinha com que se esconder e não ser visto, e era com a
carapuça. Pela tarde veio o rei dos peixes, acompanhado de
uma porção de outros, que o deixaram na porta do palácio e
se retiraram. Chegou o rei muito aborrecido, dando pulos e
pancadas, dizendo: “Aqui me fede a sangue real!” do que a
rainha o dissuadia; até que ele tomou banho e se desencantou
num belo moço.
Seguiu-se o jantar, no qual a rainha perguntou-lhe:
— Se aqui viesse um irmão meu, cunhado seu, você o
que fazia?
— Tratava e venerava como a você mesma; e se está
aí, apareça.
Foi a resposta do rei. O moço apareceu e foi muito
considerado. Depois de muita conversação, em que contou
sua viagem, foi instado para ficar ali, morando com a irmã,
ao que disse que não, porque ainda lhe restavam duas irmãs a
visitar.
O rei lhe indagou que préstimo tinha aquela bota, e
quando soube do que valia, disse:
— Se eu a apanhasse, ia ver a rainha de Castela.
O moço, não querendo ficar, despediu-se e, no ato da
saída, o cunhado lhe deu uma escama, e disse-lhe:
— Quando você estiver em algum perigo, pegue nesta
escama, e diga: “Valha-me o rei dos peixes’”.
O moço saiu e quando se encobriu do palácio, disse:
“Bota, me bota em casa de minha irmã segunda”; e, quando
abriu os olhos, lá estava. Era um palácio ainda mais bonito e
rico do que o outro. Com alguma dificuldade da parte da irmã,
entrou e foi recebido muito bem. Depois de muita conversa,
a sua irmã do meio pôs-se a chorar, dizendo que era “por ele
estar aí, e, sendo seu marido o rei dos carneiros, quando vinha
jantar, era dando muitas marradas, em termos de matar tudo”.
O irmão apaziguou-a, dizendo que tinha onde se
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esconder. Com poucas, chegou uma porção de carneiros com
um carneirão muito alvo e belo na frente; este entrou e os
outros voltaram.
Chegou o rei muito aborrecido, dando pulos e
pancadas, dizendo: “Aqui me fede a sangue real!” do que a
rainha o dissuadia; até que ele tomou banho e se desencantou
num belo moço.
Seguiu-se o jantar, no qual a rainha perguntou-lhe:
— Se aqui viesse um irmão meu, cunhado seu, você o
que fazia?
— Tratava e venerava como a você mesma; e se está
aí, apareça.
Foi a resposta do rei. O moço apareceu e foi muito
considerado. Depois de muita conversação, em que contou sua
viagem, foi instado para ficar ali, morando com a irmã, ao que
disse que não, porque ainda lhe restava uma irmã a visitar.
Na despedida, o rei dos carneiros deu ao cunhado uma
lãzinha, dizendo:
— Quando estiver em perigo, diga: “Valha-me o rei
dos carneiros”.
Também disse, depois de saber a virtude da bota:
— Se eu pegasse esta bota, ia ver a rainha de Castela.
O moço foi reparando nisto e formou-se logo consigo
o plano de ir vê-la. Saiu, e pela mesma forma foi à casa de
sua irmã mais moça. Era um palácio ainda mais bonito e rico
do que os outros dois. O que lá sucedeu foi o mesmo do que
nos palácios das suas irmãs mais velhas. Era o palácio do rei
dos pombos, e este, na despedida, deu ao cunhado uma pena,
com as palavras:
— Quando se vir nalgum perigo, diga: “Valha-me o rei
dos pombos”.
Na despedida, sabendo o rei do préstimo da bota,
mostrou também desejos de ir visitar a rainha de Castela.
Logo que o moço se viu longe do palácio, disse: “Bota,
bota-me agora na terra da rainha de Castela”. Assim foi.
Chegado lá, ele indagou e soube que “era uma princesa que o
pai queria casar, e que era tão bonita que ninguém passava
pela frente do palácio que não olhasse logo para cima para
vê-la na janela; mas a princesa tinha dito ao rei que só casava
com o homem que passasse sem levantar a vista.”
O estrangeiro foi passar, atravessou toda a distância
sem olhar, e a princesa casou com ele.
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Depois de casados, ela indagou pela significação
daqueles objetos que seu marido sempre trazia consigo; ele
tudo lhe contou, e a princesa prestou muita atenção ao
prestígio da chave.
O rei, seu pai, tinha em palácio um quarto que nunca
se abria, e neste quarto, onde era proibido a todos entrar,
estava, desde muito tempo, trancado um bicho Manjaléu,
muito feroz, que sempre o rei mandava matar e sempre revivia.
A moça tinha muita curiosidade de o ver e,
aproveitando a saída do pai e do marido para uma caçada,
pegou a chave encantada e abriu o quarto. O bicho pulou de
dentro, dizendo: “A ti mesmo é que eu queria!…” e fugiu
com ela para as brenhas.
Quando voltaram, os caçadores deram por falta da
princesa, e ficaram muito aflitos. O rei foi ao quarto do Manjaléu,
e achou-o aberto e vazio, e o novo príncipe conheceu a sua
chave… Ao depois valeu-se de sua bota e foi ter aonde estava
sua mulher. Esta, quando o viu, estando ausente o Manjaléu,
ficou muito alegre, e quis ir-se embora com ele. Mas o marido
não o consentiu, dizendo que ela ficasse para indagar ao monstro
onde estava a sua vida, para assim dar cabo dele.
O príncipe foi-se embora. Quando o Manjaléu voltou,
conheceu que ali tinha estado bicho homem; a moça o
dissuadiu, e quando ele se acalmou, ela lhe perguntou onde
estava a sua vida. O monstro zangou-se muito, e disse:
— Ah! Tu queres saber de minha vida mais o teu
marido, para darem cabo de mim!… Não te digo, não…
Passaram-se dias, sempre a moça instando. Afinal, ele
foi amolar um alfanje, dizendo:
— Eu te digo onde está minha vida; mas se eu sentir
qualquer incômodo, conheço que ela vai em perigo e, antes
que me matem, mato a ti primeiro, queres?!
A princesa respondeu que sim. O Manjaléu amolou o
alfanje, e disse-lhe:
— Minha vida está no mar; dentro dele há um caixão,
dentro do caixão uma pedra, dentro da pedra uma pomba,
dentro da pomba um ovo, dentro do ovo uma vela; assim que
a vela se apagar, eu morro.
O bicho saiu e foi procurar frutas; chegou o príncipe,
soube de tudo e foi-se embora. O Manjaléu veio e deitou-se
no colo da moça com o alfanje ali perto. O príncipe chegou
com sua bota à praia do mar num instante; lá pegou na escama
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que tinha, e disse: “Valha-me o rei dos peixes!” de repente
uma multidão de peixes apareceu, indagando o que ele queria.
O príncipe perguntou por um caixão que havia no
fundo do mar; os peixes disseram que nunca o tinham visto,
e só se o peixe do rabo cotó soubesse. Foram chamar o peixe
do rabo cotó, e este respondeu:
— Neste instante dei uma encontroada nele.
Todos os peixes foram e botaram o caixão para fora.
O príncipe o abriu e deu com a pedra; aí pegou na lãzinha e
disse: “Valha-me o rei dos carneiros!” De repente apareceram
muitos carneiros e entraram a dar marradas na pedra.
O Manjaléu lá começou a sentir-se doente, e dizia:
— Minha vida, princesa, corre perigo!
E pegou no alfanje; a moça o foi dissuadindo e
engambelando. Os carneiros quebraram a pedra e voou uma
pomba. O príncipe pegou na pena e disse: “Valha-me o rei
dos pombos!” Chegaram muitos pombos e correram atrás da
pomba, até que a pegaram. O príncipe abriu-a e achou o ovo.
Quando estava nisto, lá o Manjaléu estava muito
desfalecido, pegou no alfanje e ia dando um golpe na princesa.
Foi quando cá o príncipe quebrou o ovo, e apagou a vela; aí
o bicho caiu sem ferir a moça. O príncipe foi ter com ela, e
levou-a para o palácio, onde houve muitas festas.
(Versão de Sergipe, coletada por Sílvio Romero)
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